sexta-feira, 28 de maio de 2010

O que há em um Nome?

Inspirada em um texto que publiquei em meu outro blog http://daquiprai.wordpress.com/ resolvi conversar hoje sobre a importância (ou não) dos nomes dos personagens que criamos.

Se você é um devorador de livros como eu deve facilmente reconhecer alguns destes nomes: Scarlet O'Hara, Capitão Rodrigo, Heathcliff, Zorba, Dona Flor, etc. Esses personagens ficaram marcados em nossas memórias não somente pelo caráter que tinham, mas também pelo nome com o qual foram batizados pelo autor de suas histórias.

Nomes podem representar épocas, momentos históricos e regiões que se adequam ao seu personagem. Por exemplo, dificilmente um José de Ribamar será um personagem cujas raízes, se não o próprio nascimento, estejam ligados a outro local que não o Maranhão. Em outro conceito, um personagem chamado Elizabeth nos levaria a imaginar sua descendência britânica, talvez nos traga à mente atitudes refinadas ou quiçá um chá das cinco. Provavelmente um personagem norte-americano não se chamará , a não que ser que ele seja um papagaio carioca!

Não quero aqui dizer que um autor não possa ser audacioso e criar nomes fora de época, local ou circunstância para seus personagens. Apenas deve-se lembrar que o leitor curiosamente se indagará o motivo dessa discrepância nominal. Esteja então como autor preparado para justificar o seu personagem nestes casos. E exatamente isso talvez faça dele um personagem memorável! Lembre-se: criatividade é  importante mas credibilidade é a única regra que deve ser seguida.

Em Characters, Emotions and Viewpoints, Nancy Kress ressalta que a plausibilidade é essencial para dar crédito ao autor. Ela cita por exemplo que o Departamento Policial de Nova York é predominantemente composto de policiais descendentes de irlandeses, italianos, hispânicos e afro-americanos. Se você escrever um livro nessa área e nomear seus personagens todos com nomes russos levará o leitor (que conhecer a área, é lógico, mas jamais subestime o alcance dos seus livros ou o conhecimento de um leitor) a questionar o quanto você sabe do assunto sobre o qual escreve.

Nomes também podem repesentar traços físicos ou qualidades. Essa escolha nominal, presente em algumas obras mais antigas, é mais aceita hoje em dia somente em livros infantis, infanto-juvenis ou paródias. Por exemplo, Harry Potter tem companheiros de nomes marcantes (pelo menos no original em inglês), como Draco Malfoy, que lembra dragões e maldade; ou Luna Lovegood que via tudo com outros olhos.

Se sua história envolver vários personagens que contracenam frequemente, tome cuidado ao nominá-los. O leitor pode se confundir e cansar da história se tiver que ficar constantemente tentando lembrar quem é Elisa, Alícia ou Analicia.

Finalmente, existem personagens sem nome. Em The Mother (A Mãe), Pearl Buck, vencedor do Pullitzer e autor de A Boa Terra, não dá nome ao seu personagem principal. A história se passa na China, antes da Revolução de Mao e a mãe é simplesmente a mãe. Da mesma forma, as outras mulheres da história são também conhecidas como "a velha mulher" ou a "esposa do primo".

Para concluir, eis aqui alguns exercícios extraídos do livro So You Want to Write a Novel, de Lou Willett Stanek, que podem ajudá-lo(a) a pensar sobre nomes e a importância destes na vida de seu personagem:
- E se o seu personagem mudar para uma outra cidade e escolher um nome novo para si próprio?
- E se o pai de seu personagem resolveu chamá-la Stevie embora ela fosse uma menina?
- E se o bandido e o herói do seu livro possuem o mesmo nome?
- E se o seu personagem tem um nome que detesta?

Se você conhece alguns nomes interessantes e curiosos, divida conosco. Comente!

Até a próxima,

Stanze  

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Um contador de histórias

Recentemente terminei mais um livro de James Michener, Os Rebeldes (original em inglês, The Drifters). Embora este último não tenha sido um dos meus prediletos, a obra de Michener me fascina pelo tanto que se aprende com seus livros.  

Esse escritor norte-americano, falecido em 1997, aos 90 anos de idade, escreveu mais de 40 livros e tornou-se famoso pelas pesquisas aprofundadas que realizava ao escrever seus romances.  

Suas obras são caracterizadas pela história de sagas e gerações em determinada época ou localização geográfica, nas quais o autor incorpora elementos históricos reais. Em Havaí, por exemplo, o próprio arquipélago é um dos personagens principais do livro, que começa com a explosão vulcânica submarina que criou as ilhas. Baía de Chesapeake nos traz fatos interessantíssimos sobre os indígenas norte-americanos. Polônia  nos leva ao passado daquele país e nos conta a sucessão de invasões e reconquistas que sofreu ao longo de sua história.

James Michener foi abandonado quando criança e adotado por uma viúva quaker chamada Mabel Michener. Embora pobre, a sua mãe adotiva adorava livros e passou esse gosto para o pequeno Michener. Aos 20 anos, o escritor já havia conhecido quase todos os estados dos Estados Unidos, experimentando diferentes tipos de emprego. Ganhou uma bolsa de estudos para a Escola Swarthmore e se formou com altas referências. Cursou a Universidade St. Andrews, na Escócia, e tornou-se posteriormente Professor Assistente de História na famosa Universidade de Harvard. 

De suas experiências na guerra, nas Ilhas Salomão, originou-se seu primeiro livro, Contos do Pacífico Sul, que enviou anonimamente para um editor com o qual havia trabalhado, e que terminou por lhe dar o Prêmio Pulitzer em 1947, e tornar-se um musical de sucesso por anos consecutivos na Broadway.

Além da parte histórica que seus livros trazem, vários assuntos temáticos também são explorados. Em Os Rebeldes, a geração hippie da era da guerra do Vietnam e seus conceitos é explorada ao acompanharmos as aventuras, viagens e desventuras de 6 jovens através de vários locais considerados "cult" da Europa naquele tempo: Espanha, Portugal, Marrocos e Moçambique.

Considerando-se que o livro foi publicado em 1971 é interessante conhecermos o pensamento dos jovens adolescentes daquela época e visualizar os lugares ermos aos quais eles viajam, como por exemplo, o Algarve em Portugal, e comparar com a realidade atual. Romances históricos são particularmente atraentes quando se conhece pessoalmente o lugar descrito neles.

Vários exemplos de um autor como Michener devem ser seguidos por escritores aspirantes:
1 - nada é impossível. Michener foi abandonado quando criança e teve uma infância pobre. Entretanto, tornou-se um autor renomado, viajou por diversos locais, foi professor de uma das Universidades mais famosas do mundo e ganhou um Prêmio Pulitzer;
2 - pesquisa é essencial. Um romance histórico, mesmo que não contenha fatos reais, deve levar o leitor ao tempo da história, seja através das roupas, das tradições, mas também, e principalmente, através da maneira de falar e se expressar de seus personagens.

Para quem gosta de conhecer fatos históricos envolvidos ao mesmo tempo com uma boa narrativa, experimentem Michener.

Até a próxima,
     
Stanze   

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Na próxima sexta

Olá amigos leitores

Hoje tenho visitas do Brasil por isso não pude preparar nenhuma matéria para esta sexta. Na próxima estarei de volta.

Stanze

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Espelho, espelho meu...

...existe alguém mais completo do que eu?

O meu pai possuía um sapato que ele dizia ser de cromo alemão e pelo qual tinha um misto de respeito e orgulho. Esse sapato era usado em todas as ocasiões importantes de sua vida e era algumas vezes motivo de discussão entre ele e minha mãe, que preferia que meu pai usasse algo mais novo, ao que ele retrucava dizendo que aquele era de cromo alemão e, portanto, inigualável e insubstituível.

Desse fato posso constatar que meu pai era conservador e tradicionalista, além de amante das coisas boas. Da mesma forma passamos para os leitores algumas características internas dos nossos personagens através de sua aparência exterior.

Já comentei em artigos anteriores sobre a importância de se conhecer os nossos personagens. Hoje quero dividir alguns exercícios e idéias sobre a apresentação física desses personagens dos nossos contos e histórias. Como escrevi, e é sabido por todos, um personagem é alguém que conhecemos bem, às vezes a fundo, às vezes superficialmente, em casos de personagens secundários. Nem tudo que sabemos sobre eles precisa ser trazido à tona em um romance, mas é necessário que nós autores o conheçamos bem. 

Uma das técnicas existentes para que se tenha sempre em mente alguns aspectos essenciais dos nossos personagens é o que em inglês chamamos de "character's bio", ou seja, uma espécie de ficha contando dados e fatos sobre seu personagem.

Hoje vou considerar neste artigo somente a descrição física e roupas. Quando você cria um personagem para a sua história ele deve ser consequente com o enredo. Imaginem por exemplo uma história em 2010 sobre um veterano da II Guerra Mundial que o descreva como tendo cabelos loiros, porte esbelto e atlético, etc... esse veterano tem no mínimo uns 80 anos. Espera-se pelo menos rugas, cabelos brancos, andar pausado, talvez meio curvado. A não ser que você esteja escrevendo uma história de ficção científica e o seu personagem é um viajante do tempo ou encontrou a Fonte da Juventude não dá para encarar o esbelto de cabelos loiros como um veterano da II Guerra em 2010!

Para criar a sua ficha você pode simplesmente imaginar os detalhes que quiser ou copiar alguma ou várias pessoas. Um exercício interessante é sentar numa praça, bar ou café, com seu caderninho de anotações e observar. Olhe as pessoas que passam ou que estão no mesmo local. Como elas estão vestidas? Como elas se parecem? Têm algum tique, alguma mania? Têm algum defeito físico? O modo como andam demonstra segurança, timidez? A roupa que vestem é sóbria, audaciosa, na moda ou tradicional? Anote tudo que achar interessante e depois componha um personagem com esses dados.

Sua ficha pode parecer assim:
Nome:
Sexo:
Idade:
Altura e Peso:
Cabelo:
Rosto:
etc,etc,etc...

e também,

Nos finais de semana ele/a gosta de vestir:
Em casa ele/a prefere usar:
Sapatos velhos são algo que ele/a ama/detesta/usa porque não tem opção:
etc,etc,etc...

Agora vamos apresentar esse personagem ao mundo. Hoje em dia, com a dinâmica das coisas, televisão, internet, torpedos, celular, etc, o leitor atual não gosta de muitas descrições e detalhes. Depois, uma das regras básicas da literatura é: MOSTRE, NÃO CONTE. Por isso, seja imaginativo ao apresentar seu personagem à sociedade. 

Compare estes exemplos:

Exemplo 1: descrição direta
João era gordo e tinha olhos melancólicos.

Exemplo 2: descrição indireta
João acomodou-se no banco do ônibus como pôde. Não estava confortável e sentia que metade de seu corpo espremia o seu vizinho. Olhou melancolicamente como se se desculpando pelo incômodo que causava.

Exemplo 3: descrição indireta por terceiros
Miguel espremeu-se o mais que pôde na direção da janela. Aquele homem ocupava o banco inteiro e avançava para o seu espaço. Olhou-o com uma leve irritação, mas seus olhos tristes lhe sustaram as palavras. "Eu posso resistir um momento, enquanto esse homem tem que conviver com situações como essa o tempo todo",  pensou, virando o rosto para a janela.

O que lhe parece melhor como leitor? Nos exemplos 2 e 3 não usei a palavra "gordo" que é a característica principal de João, mas ficou claramente demonstrado que ele se tratava de uma pessoa grande e, pela reação causado no personagem do número 3, está óbvio que se trata de uma pessoa volumosa.

E assim também se trabalham as roupas dos personagens. O guarda-roupa é uma fonte de características e qualidades a serem desenvolvidas e exploradas. Dê uma olhada em seu próprio guarda-roupa e veja o que as suas roupas e acessórios lhe dizem sobre sua própria personalidade. Imagine roupas e vista seus personagens com elas. Veja como eles se parecem. Troque as roupas e veja o que cai melhor. Imagine-se numa boutique variada em que todo um guarda-roupa se encontra à sua disposição: roupas antigas, roupas exóticas, extravagantes, conservadoras, futurísticas. Viaje nesse desfile e dê vida a seus personagens.

Só um detalhe tem que ser observado: nada de exageros. Lembre-se que seu personagem é uma pessoa real e, por mais exótica que ele seja, tem que ser consistente e realista para que o leitor se identifique e viva intensamente sua história.

Até a próxima,

Stanze