sexta-feira, 25 de junho de 2010

Contos de Guerra

A guerra, principalmente a II Guerra Mundial, tem sido assunto de muitos contos e romances, alguns reais, vários fictícios. A geração dos meus pais viveu a II Guerra como adolescente e, com olhares inocentes de quem via a guerra de longe, meu pai era um devorador de todos os assuntos relacionados à matéria. Esse gosto passou para mim e recentemente li um livro de crônicas de Joel Silveira, O Inverno da Guerra, editado pela Objetiva, como parte de uma coleção chamada Jornalismo de Guerra.

Joel Silveira foi correspondente brasileiro na Itália, enviado por Assis Chateaubriand como repórter pelos Diários Associados, durante os anos de 1944-45. O livro é composto de várias crônicas e artigos, em tons variados, contando a tragédia da guerra, mas com doses de humor e leveza, que Joel enviava ao Brasil do front italiano. A experiência na Itália mudou a vida do jovem repórter que, como ele mesmo diz, chegou "à Itália com 26 anos e voltei com 40, embora lá só ficasse pouco mais de oito meses. Ao contrário do poeta, não foi exatamente por delicadeza que naqueles quase nove meses perdi parte de minha mocidade, ou o que restava dela."

Alistair MacLean é um veterano em escrever romances passados na guerra. De seus livros vários filmes foram feitos, como Os Canhões de Navarone, O Desafio das Águias, a Força 10 de Navarone, e muitos outros. Seus romances são histórias de ação, aventura e heroísmo. Um link com sua bibliografia e sinopses pode ser encontrado aqui. (em inglês).

É calro que, falando da II Guerra não se poderia deixar de mencionar o drama judeu. Em Holocausto, Gerald Green relata, com base em várias pesquisas, os terríveis fatos acontecidos nos campos de concentração de Babi Yar, Sobibor e Auschwitz. Seu livro virou uma série da NBC em 1978 e somente nos EUA alcançou uma audiência de 120 milhões de espectadores.

Bem menos impressionante e em linhas mais suaves temos também O Menino do Pijama Listrado que narra a história de um garoto, filho de um comandante nazista de um campo de extermínio, que se torna amigo de um garoto judeu. O pijama listrado se refere ao uniforme que os judeus tinham que usar nos campos e nesses termos fantasiosos o garoto alemão não percebe a dura realidade que é o trabalho do seu pai.

Morando na Holanda eu não poderia, é claro, deixar de citar aqui um dos livros mais chocantes de todos aqueles escritos sobre a II Guerra. O Diário de Anne Frank é um nó na garganta. O diário da adolescente alemã que se refugiou com a família no anexo secreto do escritório de seu pai, em Amsterdam, não fala diretamente dos horrores físicos da guerra. Pior, fala dos horrores psicológicos de um resto de vida vivido às escondidas, com medo e restrições, muito embora retratado nas palavras doces e curiosas de uma adolescente. A casa é hoje um museu e o seu diário se encontra lá. É possível dar uma olhada virtual no anexo através deste link (em várias línguas): http://www.annefrank.org/nl/
 
Termino o artigo de hoje com as palavras de Joel Silveira: "A guerra, repito, é nojenta. E o que ela nos tira (quando não nos tira a vida) nunca mais nos devolve." 

Até a próxima

Stanze

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Um mantra a Saramago

Hoje eu tinha decidido escrever sobre algo diferente, mas a notícia de que o mestre Saramago havia deixado este mundo me conduziu a fazer uma pequena ode a este grandioso escritor.

Apaixonei-me por Saramago há alguns anos atrás quando a curiosidade me levou a ler Ensaio Sobre a Cegueira. Curiosidade esta causada por dois motivos:
1 - Saramago era um prêmio Nobel de Literatura e;
2 - O livro que eu tinha nas mãos mantinha a grafia original de Portugal



Confesso que no princípio me assustei com aquele estilo de escrita corrido, com vírgulas onde se esperariam pontos ou travessões. Depois, a história foi me envolvendo e a leitura fluía como um mantra sonoro e cheio de sentido. A ceguidão que assola aquele mundo em que o romance se desenvolve vai além da cegueira física e, nesse entremeado de palavras, Saramago nos desnuda a cegueira humana que existe em cada um de nós.


A partir daquele momento o escritor português havia me conquistado. Meu próximo livro foi As Intermitências da Morte onde a primeira alegria causada pela greve da morte é logo superada pelo excesso da vida e da imortalidade.

Em O Homem Duplicado o autor mostra mais uma vez a sua capacidade de, na essência das suas histórias, mostrar o arcabouço da natureza humana. Um homem descobre que existe um sósia seu, que não é seu irmão gêmeo, sendo no entanto mais do que se o fosse, pois este indivíduo é uma cópia perfeita sua. O personagem (ou personagens) não consegue conviver com sua duplicidade e luta pelo direito de ser um ser único.

Ainda tenho um longo caminho a percorrer nas obras deste que considero um dos grandes escritores deste século. Comentei somente os livros que li e aproveito para terminar este artigo com uma passagem de Ensaio Sobre a Lucidez que acho que descreve bem o que passei a chamar de mantra de Saramago:

"Por que está a fazer isto por nós, por que nos ajuda, Simplesmente por causa de uma pequena frase que encontrei num livro, há muitos anos, e de que me tinha esquecido, mas que me regressou à memória num destes dias, Que frase, Nascemos, e nesse momento é como se tivéssemos firmado um pacto para toda a vida, mas o dia pode chegar em que nos perguntemos Quem assinou isto por mim.

... Essas palavras, que, provavelmente, tal como se apresentam, ninguém as haveria dito antes, essas palavras tiveram a sorte de não se perderem umas das outras, tiveram quem as juntasse, quem sabe se o mundo não seria um pouco mais decente se soubéssemos como reunir umas quantas palavras que andam por aí soltas."

Obrigada Saramago por tornar este mundo um pouco mais decente ao juntar palavras que andavam soltas pelo mundo afora.

Stanze

sexta-feira, 11 de junho de 2010

E a bola rola!

Hoje a Copa do Mundo de 2010 teve início na África do Sul. Para os torcedores de futebol um grande evento que a cada quatro anos tem seu lugar na preferência dessas pessoas. Para muitos outros o evento passa até desapercebido, se é que isso é possível com toda a propaganda que cerca o Mundial. Mas, para um continente inteiro esta Copa é algo muito especial.

A África, que geralmente atrai olhares penosos do mundo pela sua história de guerras, fomes e miséria, provocará neste mês que se inicia hoje outros sentimentos nas pessoas: emoções, vitórias, gols e, principalmente, capacidade. A África conseguiu atrair para si um espetáculo mundial, coisa de países ricos, desenvolvidos ou pelo menos em desenvolvimento. E está mostrando ao mundo que tem um povo bonito, inteligente, capaz e muito, muito orgulhoso do seu Continente, como as imagens de Mandela e Desmond Tutu deixam ver.

Para o Inspiracionando de hoje eu convido os autores em aspiração como eu a entrarem no mundo dos esportes, dos desafios, das derrotas e vitórias, da superação de obstáculos e do prazer de participar. Inspire-se nos jogos, mas não se limite ao futebol. A história dos esportes é um campo cheio de inspirações.

Algumas idéias para aquecer os miolos:
1-imagine que seu personagem treinou por muito tempo para participar de uma competição mundial e no último instante se contunde e não pode participar;
2-imagine um personagem que fica de fora de sua última competição como profissional porque seu país boicota o evento;
3-o seu personagem naturalizou-se por motivos políticos e agora tem que enfrentar seu país de origem;
4-meia hora antes de uma importante competição o seu personagem recebe uma notícia trágica;
5-seu personagem vence uma competição apesar de todas as dificuldades.

Boa Copa e boa inspiração!
Stanze
 

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Um olhar de escritor

Visitando hoje uma feira de produtos e coisas da Itália tirei a inspiração para o texto desta sexta. Lembrei-me, ao passear pelos stands e ver a "praça Venezia", de dois exercícios que fizemos em Veneza durante um workshop de literatura. O primeiro consistia em passear pela cidade, que naquela época estava apresentando uma exibição de Arte Moderna a céu aberto, com esculturas espalhadas por toda a parte, escolher um visual e escrever sobre ele.

Eu me apaixonei por uma face enorme, deitada de lado no chão, oca na parte de trás e com um olhar vazio na parte da frente. Dessa visão, e com a idéia do exercício na cabeça, eu criei este texto, que permaneceu até hoje como um borrão (os textos que se seguem foram traduzidos a grosso modo dos exercícios originais em inglês, o qual foram realizados na maioria das vezes em 15 minutos):

"Tenho caminhado pelas ruas de Veneza, seguindo o guia turístico que tenho nas mãos. A Ponte Rialto, pendurada sobre o Canal Grande, cheia como sempre dos turistas atraídos pelas barracas de souvenirs. Passei pela Piazza San Marco e os sons da orquestra tocando ao vivo me fez parar. Senti em minha boca o sabor do Valpolicello que dividi com meu pai há 10 anos. Nós tínhamos então andado de café em café seguindo a próxima orquestra a tocar. Deixei que as lembranças desaparecessem vagarosamente com as últimas notas do piano antes de retornar à minha lista de atrações.
No meu caminho para a Academia eu vi as cabeças da Bienal. Parei para observá-las. Elas não faziam parte da minha lista-de-coisas-para-ver mas estavam lá e eu tinha que vê-las. Assim como certos momentos na minha vida elas estavam simplesmente lá, deitadas, impossíveis de serem ignoradas. De compromissos em compromissos que moldam a nossa vida, as cabeças tinham aparecido como os momentos que surgem do nada e, como elas, também são vazios e precisando ser preenchidos. Momentos que havia ignorado até então, como se foram idéias daquelas cabeças ocas. Joguei fora o meu guia. Já não era mais ncessário. Eu sabia agora. Eu havia vindo a Veneza trazida por aquelas cabeças."

O segundo exercício consistia em sentarmos numa praça e observamos as pessoas à nossa volta. Deveríamos escolher alguma e escrever. A idéia era observar o momento em que a pessoa se revelasse, mostrasse alguns hábitos e nos tocasse como escritores. Eis o que surgiu da minha caneta ao observar uma senhora que caminhava vagarosamente se apoiando pelas paredes:

"Um passo após o outro. Uma pausa. Então um movimento vagaroso para ajustar a bengala. Seu andar difícil sustentado pela mão que se apóia na parede. Mais quatro passos. Outra pausa. O caminho longo não era mais longo que sua própria vida. Seu corpo frágil, coberto por um casaco comprido, tornava-se pesado pelos anos. Ela caminhava devagar, tocando as paredes da sua velha Veneza, sentindo sua textura numa troca empática de experiência. 'Você é mais velha do que eu, mas viverá mais', ela deve ter pensado.
Ela caminhou por entre as mesas de um restaurante espalhadas pela praça, mais devagar ainda agora, já que perdera momentaneamente o apoio das suas paredes amigas. Ela atravessou sem olhar as faces dos clientes. Então, encontrando novamente suas paredes, ela sorriu. Pessoas estranhas a assustavam, mas não as paredes. As pessoas vivem e morrem, como muitas haviam feito em sua vida. Mas não as paredes. Elas estarão lá mesmo depois que ela se vá. Elas estarão lá para sempre."

Talvez aquela senhora não fosse de Veneza, nem tampouco andasse sempre se apoiando nas paredes. Talvez ela não estivesse pensando em nada ou fosse triste ou alegre. Não importa. No momento em que ela começou a caminhar meu olhar foi atraído para sua figura. Ela, naquele momento, se mostrou para mim. E essa era a idéia. Criar do visual.

Esta técnica pode ser repetida de várias maneiras, através de fotos, vídeos ou mesmo pessoas. Um escritor deve ter um olhar especial e ver além do que está na sua frente. Pegue fotos, observe pessoas, tente descobrir o que está por trás de um rosto, de um gesto ou de uma imagem. Crie!

Termino hoje com algumas dicas interessantes que me foram passadas pela minha professora em Veneza.

1-Não tenha medo de mostrar a si próprio;
2-Brinque de teatro, ouse viver a vida dos outros;
3-Não aceite nada como terminado. Mude-o;
4-Procure flores em lugares secos;
5-Se sonhar com algo, escreva;
6-Quando estiver escrevendo sobre determinado assunto, crie um clima: música, imagens, cheiros;
7-Continue mesmo que pareça estranho;
8-Tente criar anjos e demônios com a mesma intensidade;
9-Se puder, viaje o máximo que puder;
10-Transforme suas más experiências em grandes personagens ou histórias;
11-Faça com que um minuto a mais valha por uma hora.  

Até a próxima,

Stanze