...existe alguém mais completo do que eu?
O meu pai possuía um sapato que ele dizia ser de cromo alemão e pelo qual tinha um misto de respeito e orgulho. Esse sapato era usado em todas as ocasiões importantes de sua vida e era algumas vezes motivo de discussão entre ele e minha mãe, que preferia que meu pai usasse algo mais novo, ao que ele retrucava dizendo que aquele era de cromo alemão e, portanto, inigualável e insubstituível.
Desse fato posso constatar que meu pai era conservador e tradicionalista, além de amante das coisas boas. Da mesma forma passamos para os leitores algumas características internas dos nossos personagens através de sua aparência exterior.
Já comentei em artigos anteriores sobre a importância de se conhecer os nossos personagens. Hoje quero dividir alguns exercícios e idéias sobre a apresentação física desses personagens dos nossos contos e histórias. Como escrevi, e é sabido por todos, um personagem é alguém que conhecemos bem, às vezes a fundo, às vezes superficialmente, em casos de personagens secundários. Nem tudo que sabemos sobre eles precisa ser trazido à tona em um romance, mas é necessário que nós autores o conheçamos bem.
Uma das técnicas existentes para que se tenha sempre em mente alguns aspectos essenciais dos nossos personagens é o que em inglês chamamos de "character's bio", ou seja, uma espécie de ficha contando dados e fatos sobre seu personagem.
Hoje vou considerar neste artigo somente a descrição física e roupas. Quando você cria um personagem para a sua história ele deve ser consequente com o enredo. Imaginem por exemplo uma história em 2010 sobre um veterano da II Guerra Mundial que o descreva como tendo cabelos loiros, porte esbelto e atlético, etc... esse veterano tem no mínimo uns 80 anos. Espera-se pelo menos rugas, cabelos brancos, andar pausado, talvez meio curvado. A não ser que você esteja escrevendo uma história de ficção científica e o seu personagem é um viajante do tempo ou encontrou a Fonte da Juventude não dá para encarar o esbelto de cabelos loiros como um veterano da II Guerra em 2010!
Para criar a sua ficha você pode simplesmente imaginar os detalhes que quiser ou copiar alguma ou várias pessoas. Um exercício interessante é sentar numa praça, bar ou café, com seu caderninho de anotações e observar. Olhe as pessoas que passam ou que estão no mesmo local. Como elas estão vestidas? Como elas se parecem? Têm algum tique, alguma mania? Têm algum defeito físico? O modo como andam demonstra segurança, timidez? A roupa que vestem é sóbria, audaciosa, na moda ou tradicional? Anote tudo que achar interessante e depois componha um personagem com esses dados.
Sua ficha pode parecer assim:
Nome:
Sexo:
Idade:
Altura e Peso:
Cabelo:
Rosto:
etc,etc,etc...
e também,
Nos finais de semana ele/a gosta de vestir:
Em casa ele/a prefere usar:
Sapatos velhos são algo que ele/a ama/detesta/usa porque não tem opção:
etc,etc,etc...
Agora vamos apresentar esse personagem ao mundo. Hoje em dia, com a dinâmica das coisas, televisão, internet, torpedos, celular, etc, o leitor atual não gosta de muitas descrições e detalhes. Depois, uma das regras básicas da literatura é: MOSTRE, NÃO CONTE. Por isso, seja imaginativo ao apresentar seu personagem à sociedade.
Compare estes exemplos:
Exemplo 1: descrição direta
João era gordo e tinha olhos melancólicos.
Exemplo 2: descrição indireta
João acomodou-se no banco do ônibus como pôde. Não estava confortável e sentia que metade de seu corpo espremia o seu vizinho. Olhou melancolicamente como se se desculpando pelo incômodo que causava.
Exemplo 3: descrição indireta por terceiros
Miguel espremeu-se o mais que pôde na direção da janela. Aquele homem ocupava o banco inteiro e avançava para o seu espaço. Olhou-o com uma leve irritação, mas seus olhos tristes lhe sustaram as palavras. "Eu posso resistir um momento, enquanto esse homem tem que conviver com situações como essa o tempo todo", pensou, virando o rosto para a janela.
O que lhe parece melhor como leitor? Nos exemplos 2 e 3 não usei a palavra "gordo" que é a característica principal de João, mas ficou claramente demonstrado que ele se tratava de uma pessoa grande e, pela reação causado no personagem do número 3, está óbvio que se trata de uma pessoa volumosa.
E assim também se trabalham as roupas dos personagens. O guarda-roupa é uma fonte de características e qualidades a serem desenvolvidas e exploradas. Dê uma olhada em seu próprio guarda-roupa e veja o que as suas roupas e acessórios lhe dizem sobre sua própria personalidade. Imagine roupas e vista seus personagens com elas. Veja como eles se parecem. Troque as roupas e veja o que cai melhor. Imagine-se numa boutique variada em que todo um guarda-roupa se encontra à sua disposição: roupas antigas, roupas exóticas, extravagantes, conservadoras, futurísticas. Viaje nesse desfile e dê vida a seus personagens.
Só um detalhe tem que ser observado: nada de exageros. Lembre-se que seu personagem é uma pessoa real e, por mais exótica que ele seja, tem que ser consistente e realista para que o leitor se identifique e viva intensamente sua história.
Até a próxima,
Stanze
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