sexta-feira, 23 de julho de 2010

Monólogo: um diálogo saci

Uma das forças de uma história são os diálogos entre os personagens. Através do diálogo exerce-se muito bem o preceito de "mostre, não conte", essencial para que uma história se torne viva e interessante. Sobre diálogos vou falar muito aqui, mas hoje vou tratar de uma peculiaridade desse instrumento, o diálogo de uma perna só, ou seja, o monólogo.

Conhecemos muito o monólogo de peças teatrais, principalmente aquelas em que o personagem divaga sobre sua própria personalidade, como Hamlet, de William Shakespeare, que, com uma caveira nas mãos, pergunta-se sobre "ser ou não ser". Os discursos também são monólogos e eu até chegaria a ousar e dizer que as longas descrições são uma espécie de monólogo do autor.

Em geral esse instrumento aparece muito em partes da narrativa e raras vezes constitui a única voz presente em toda a história. Dolores Claiborne, de Stephen King, é um dos livros que mais considero característico de um monólogo verdadeiro. Algumas pessoas poderiam afirmar que livros escritos em primeira pessoa poderiam também ser considerados monólogos. Eu porém vejo uma diferença: livros escritos em primeira pessoa narram em geral os fatos sem criar a voz do personagem que fala. Já os monólogos, como em Dolores possuem a voz própria do personagem que conta a história.

Uma das características de um monólogo bem escrito é de que, além de uma voz própria, ele tenha os elementos básicos de qualquer narrativa, ou seja, início, meio (ou clímax) e fim. Ele deve contar uma história (ou mini-história) em si.

E a última dica de hoje sobre monólogo vale para qualquer tipo de escrita que você quiser utilizar: pense na sua audiência e utilize o instrumento e a linguagem adequados para seus leitores.

Abaixo transcrevo um monólogo que escrevi como exercício. Na verdade o persongem conversa com uma pessoa que já faleceu e, por isso, o que seria um diálogo transcorre como um monólogo.

UMA ROSA PARA ÂNGELA
(Stanze)

“Eu contei para Joana sobre nosso relacionamento. Ela merecia saber. Mas não se preocupe... eu mantive minha promessa. Ela não sabe que é nossa filha. De qualquer modo, não acho que isso faria bem a ela. Mas pelo menos ela pode compreender porque venho aqui todos os anos ... e também porque sua mãe ... desculpe, minha esposa... não gostava disso.

Eu também não aceitaria. Mas Carolina era uma pessoa maravilhosa.

Sim, eu voltei para ela como você me havia pedido, e ficamos juntos ... até sua morte. Na época eu tive medo da reação de Carolina mas, com Joana, eu tinha que tomar uma decisão mesmo que fosse contra o que meu coração pedia. Ela aceitou Joana como sua própria filha. Carolina me amava, você sabe...

Ela é linda ... a nossa filha ... igual a você.

Angela ... por que você teve que me deixar? Eu a odiei por isso. Você me deixou só no meio de uma guerra com um bebê nos braços mas, deixe pra lá... como eu poderia alguma vez odiá-la?

Sabe... eu entendo suas razões. Você estava certa. O bebê estaria melhor com um jornalista americano do que com uma guerrilheira da resistência.

A verdade é que eu fui um covarde. Por isso foi que eu nunca disse a verdade a Joana. Como eu poderia dizer a ela que um jornalista não foi capaz de encontrar sua mãe depois de janeiro de 1944? Carolina e Joana estavam se dando tão bem. Eu não podia destruir aquela harmonia. Eu fui um covarde... eu fui covarde até para, ao menos, tentar.

Sabe, vinte anos depois e eu ainda consigo falar italiano. Até ensinei algumas palavras a Joana.

Foi no topo desta montanha que nos encontramos pela primeira vez. Ainda me lembro da noite em que você me trouxe até aqui. Foi somente nessa ocasião que eu pude apreciar a beleza desta área... Vagliali a nossos pés ... a escuridão... e aqueles vagalumes por toda a parte como um tapete de estrelas estendido diante de nós. Naquela noite você me disse que jamais poderia deixar este local.
Eu lhe trouxe uma rosa… uma rosa amarela. Mas desta vez não é para você, Angela. É para sua prima.

Sim… eu descobri o seu pequeno segredo. Foi Maria quem morreu em seu lugar naquele dia. Ela não deveria estar lá. E sua identidade foi encontrada com ela.

Eu posso imaginar o quanto você deve ter sofrido. Vocês duas eram como irmãs. É óbvio que você tinha que usar a oportunidade. Maria gostaria de ajudar de qualquer modo. Você poderia desaparecer…e sobreviver à guerra…

É egoísmo meu, mas eu nunca pude lhe perdoar por não ter tentado entrar em contato comigo... ou com sua filha.

Então, há quatro anos atrás, a carta chegou. A carta anônima que dizia que você havia falecido e que estava enterrada aqui há muitos anos.

Foi um erro me mandar aquela carta, Angela. Dentro do meu coração eu sabia que você não estava morta. Mas eu lhe encontrarei. E então eu lhe darei a melhor rosa que eu jamais pude lhe dar... sua filha."

Até a próxima

Stanze

3 comentários:

  1. Nanda,

    Que lindo texto! Você já nada juntando estes pequenos textos para uma futura publicação.

    Particularmente gosto muito de livros de crônicas, de preferência não muito extensas, no máximo três páginas, ou já será um pequeno romance. Rsss

    Cresci lendo Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Armando Nogueira, no jornal, (coincidentemente grandes botafoguenses!!!). E também Arthur Clark, Asimov, Ray Bradbury, pois desde cedo me apaixonei pela ficção-científica, minha grande paixão até hoje na literatura, HQ, seriados de TV e cinema.

    Só já "burro velho" conheci Veríssimo e Rubem Braga. Hoje estou lendo "Rubem Brada, 200 crônicas escolhidas", lançado pela Record.

    Continue nos brindando com estas preciosidades, de tão longe, mas tão perto, neste milagre de Santa Internet.

    Grande abraço

    Alvarez

    ResponderExcluir
  2. Nossa, nem reparei que a segunda frase ficou truncada!

    O que quis dizer foi:

    Você já está juntando estes pequenos textos para uma futura publicação?"

    Abraços

    Alvarez

    ResponderExcluir
  3. Obrigada amigo, pelos elogios e palavras bonitas ... mesmo que truncadas ;-)

    Nanda

    ResponderExcluir